Preferido pelos malls, o sorteio de carros continua em alta nas promoções, mas aos poucos dá espaço a outros tipos de ações que garantem recompensa imediata para o consumidor
Por Fernanda Balieiro*
O brasileiro sempre foi apaixonado por carros. Porém,
com o cenário econômico em alerta, o consumidor tem pensado muito para investir
em um veículo novo. O mercado automobilístico vem registrando queda nas vendas
e na produção. De acordo com o mais recente relatório da Associação Nacional
dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), divulgado em maio, as vendas
de veículos no quarto mês do ano apontaram queda de 25,7% – foram 162,9 mil
unidades no mês contra 219,4 mil em abril do ano passado. Na análise com março
de 2016, quando 179,2 mil veículos foram licenciados, a retração é de 9,1%. Nos
primeiros quatro meses foram negociados 644,3 mil unidades, o que significa
baixa de 27,9% sobre as 893,7 mil unidades do mesmo período do ano passado.
Com relação à produção, a indústria automobilística
fechou abril com 169,8 mil veículos fabricados – retração de 13,6% em relação a
março, com 196,5 mil unidades, e de 22,9% contra abril de 2015, com 220,3 mil.
O acumulado apontou redução de 25,8% na fabricação de veículos novos: foram
658,7 mil unidades este ano e 887,8 mil no ano passado.
Para Antonio Megale, presidente da Anfavea, a volta
da confiança está diretamente ligada com a estabilidade do panorama atual. “O
cenário político, ainda conturbado, afeta toda a economia brasileira. Vivemos
um momento de grande instabilidade, e a falta de confiança, tanto dos
consumidores quanto dos investidores, tem impactado negativamente o setor
automotivo. Precisamos fazer a economia girar novamente com ações que sinalizem
um horizonte estável e de recuperação”, afirma.
Enquanto trabalha para fazer a economia girar, a
indústria automobilística também conta com antigos parceiros para fazer seu
produto chegar aos consumidores finais. Há cerca de 30 anos, os shopping
centers trabalham com promoções de sorteios de carros em datas especiais. Para
tanto, “há uma negociação na compra dos veículos por parte do shopping, com um
preço diferenciado oferecido pela montadora”, conforme explica a assessoria de
imprensa do Grupo Renault.
Objeto de desejo
O casal Walkyria e Osmar frequenta diariamente o
Shopping Metrópole há 36 anos. Lá, os dois passeiam, fazem compras, pagam
contas, tomam cafezinho, encontram os amigos e até participam das caminhadas do
programa Saúde Metrópole, oferecido ao público da terceira idade. Em tantos
anos de relacionamento com o mall, eles já participaram de diversos eventos,
campanhas e sorteios. Em 1995, levaram para casa de uma vez um carro e uma moto
em um concurso de frases. “Entre 15 mil frases, a dele foi escolhida”, conta
Walkyria. De acordo com a corretora de seguros, até o dia do resultado final,
todas as noites o casal passava no mall para paquerar o carro. “Havia um café
bem em frente ao local onde o carro estava exposto. Então nós pedíamos dois
cafés e ficávamos de lá ‘falando’ com o carro ‘você vai pra minha casa,
hein!’”, relembra.
Assim como eles, parte do público dos malls
continua fiel às campanhas com veículos, segundo Ricardo Portela, gerente de
marketing do Shopping Ibirapuera, mall que chegou a sortear 12 carros
Mercedes-Benz Classe A 160 de uma só vez em sua campanha de Natal de 1999. “Nós
tentamos fazer ações sem ser o sorteio de carros e o resultado final não foi o
mesmo”, afirma o gerente.
Portela explica que o apelo do veículo 0 km como
prêmio é grande, mas que, ainda assim, ultimamente não tem tanto efeito se não
estiver atrelado a outro tipo de ação. “Nós temos vinculado essa estratégia a
ações do tipo ‘comprou, ganhou’, em que o cliente se sente recompensado na hora
e ainda tem a chance de concorrer a um ou mais carros 0 km”, explica.
Segundo o gerente de marketing do Shopping
Ibirapuera, uma pesquisa realizada em julho de 2015 pelo Instituto Datafolha e
pelo escritório Wilma Rocca apontou que 76% do seu público – maioria composta
por mulheres – prefere ações de “compre e ganhe”; enquanto 24% – homens em sua
maioria – preferem sorteio de veículos. “Desde então temos realizado as duas
ações, procurando satisfazer a todos”, diz.
Na mesma direção são os dados da CRMalls sobre
sorteio de carros. De acordo com a empresa, as campanhas de “compre e ganhe”
costumam ter baixa participação do público masculino (cerca de 19%). Para
sorteios de viagem, a participação dos homens fica em aproximadamente 26%,
enquanto para sorteio de carros alcança a marca de 41%.
Com relação à escolha dos produtos que serão
sorteados, Portela explica que há uma variação de acordo com a data
comemorativa e o desejo do público, e também de acordo com sua faixa etária.
Ele detalha a ideia com o exemplo da seleção de automóveis. “São escolhidos
veículos recém-lançados no mercado e com valores aproximados de 100 mil reais
cada. Sendo bem trabalhado, isso tem grande peso na atratividade da campanha e,
consequentemente, no seu resultado”.
Outro exemplo relacionado vem de Mariana Guetter,
coordenadora comercial do Shopping Pátio Batel. “Nós sorteamos um Jaguar, um
veículo novo e moderno que conversa com os jovens e tem o foco em mulheres, por
causa do Dia das Mães. Dessa forma, selecionamos um modelo que faz nexo com a
campanha. Não dá para dizer que a iniciativa atrai mais clientes. É quase uma
recompensa para os clientes que compram aqui usualmente”, afirma.
Segundo ela, esse tipo de ação promovida pelo mall
está mais atrelada à conversão em vendas do que ao aumento do fluxo de
visitantes. “Se o tíquete médio é de 500 reais e o consumidor adquiriu 450
reais, ele vai acabar fazendo o lanche no shopping para conseguir o cupom. Isso
não aumenta o fluxo, mas sim o tíquete médio por visita”, detalha Mariana,
sobre o motivo pelo qual se trabalha com um limitador de valor.
Nova direção
No geral, o cronograma de ações dos shoppings conta
com sorteios de carros duas vezes ao ano. Mas pode ser que esse número caia com
o tempo. Isso porque, mesmo com toda a paixão do brasileiro por carros, os
responsáveis pela operação de shopping centers notam cada vez mais que apenas
esse tipo de promoção não gera mais tanto impacto no público.
As pessoas têm valorizado mais as experiências com
as marcas. “Quanto mais o lojista e o shopping avaliam o comportamento do
consumidor, mais eles investem em experiências em vez de premiação”, explica
Mariana. “O que o cliente deseja é ir a uma loja bacana, que crie memórias.
Então a promoção está perdendo seu grande investimento em prol de uma mudança
comportamental”, completa.
Questões como alto
custo de operacionalização e retorno abaixo do esperado nas vendas também
influenciam a queda dos sorteios de autos em malls, conforme aponta Talita
Dallmann, gerente de marketing do Shopping São José. “Acredito que esse tipo de
mecânica promocional ajuda o shopping a se equiparar com os demais players de mercado
e pode influenciar no tíquete médio do cliente. No entanto, é importante
lembrar que um percentual muito pequeno de clientes faz o cadastro e participa
das promoções”, diz.
Assim, ações sem sorteio de carros têm feito muito
sucesso entre os visitantes dos shoppings. As viagens, por exemplo, fazem brilhar
os olhos dos clientes. “No Natal passado, fizemos ‘a volta ao mundo’, que teve
uma super-repercussão, porque realmente foi uma premiação diferenciada”, conta a
coordenadora comercial do Shopping Pátio Batel. “Como conhecer os cinco
continentes é um sonho de consumo, tivemos uma visibilidade maior da marca.
Quando as campanhas de todos os concorrentes trazem um sorteio de carro e a sua
traz uma viagem de volta ao mundo, você acaba saindo do lugar-comum”,
acrescenta.
Vale destacar que o brasileiro tem tomado gosto por
viajar. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe) para o Ministério do Turismo e divulgada em 2012, o número de
brasileiros que viajam cresceu 18,5% de 2007 a 2011, ano em que foi feito o
último levantamento desse tipo.
O único motivo para que as campanhas com sorteios
de viagens (ou outros prêmios como apartamentos e vales-compra) não sejam
frequentes é a dificuldade de conversão, ou seja, os malls precisam buscar premiações
que sejam facilmente convertidas em moeda, já que nem todo vencedor necessariamente
irá ficar com o prêmio. “A conversão não é tão fácil por causa da legislação e de
todas as regras de Caixa Econômica. Assim, a escolha do carro tem muita relação
com a mecânica de promoção e não por ser o melhor prêmio para todo mundo. Afinal
de contas, carro é quase dinheiro”, explica Mariana.
Retorno imediato e
experiência única
O consumidor deseja viver uma experiência única com
as marcas e ser recompensado agora. Essas são duas tendências de consumo que
vem sendo apresentadas nos últimos anos pela agência de pesquisa Trendwatching
e já podem ser comprovadas, inclusive, dentro dos malls. O Shopping São José,
por exemplo, já testou promoções sem troca de cupons com as quais obteve
retorno. E qual era o foco das ações? Promoções “compre e ganhe” (que não
exigem sorteio ou dias de espera, ou seja, basta o cliente comprar algo e
trocar o cupom pelo prêmio) e campanhas publicitárias (que reforçavam os
atributos da marca para uma data específica e trabalhavam ações de
relacionamento complementares).
Em 2015, por exemplo, sua Campanha de Namorados não
tinha troca de cupons. “Nós trabalhamos uma linha institucional com a atriz
Leandra Leal reforçando a compra de presentes, realizamos ações no mall e ações
com clientes especiais. O resultado comparado ao mesmo período em 2014 foi de
7% de crescimento em vendas”, diz a gerente de marketing do Shopping São José. “Já
no Dia dos Pais, a campanha trouxe o sorteio de um carro 0 km e o crescimento
foi de 6% em vendas, em relação ao mesmo período do ano anterior”, compara.
Ainda como exemplo de proporcionar vivências
únicas, neste ano o Shopping São José inaugurou uma loja chamada Vitrine de
Ideias, que recebe eventos semanais gratuitos, voltados ao público adulto. “No
primeiro semestre, já realizamos bate-papos sobre moda, design de interiores,
maternidade, inteligência financeira, casamento, além de degustações de vinhos,
espumantes e cafés.” O mall também iniciou as atividades do Teatro Casa da
Árvore, que é a reformulação de um projeto com programação cultural gratuita
para as crianças e que agora passa a ser um teatro de verdade.
A ideia é sempre casar o evento especial com as
ações, os prêmios e os parceiros envolvidos. “Neste ano teremos uma decoração
temática, então ainda estamos negociando os prêmios com potenciais parceiros e
patrocinadores que tenham a ver com o tema da decoração. Essa combinação faz a
campanha ganhar mais sentido aos olhos do consumidor”, finaliza Mariana.